6 de julho de 2007

The Special One


Este post vai ser aqui colocado em vez do "haja coração" de o luis pinho...pois ele ainda não tem disponibilidade para escrever esta semana...espero que na proxima semana já esteja aqui o seu post! Não deixem de ler "mais que um jogo" de NFP! Esta entrevista é no final da temporada de 2003! Isto é futebol...

No pensamento de Mourinho está um FC Porto rolando sobre carris depois dele ter ido embora. Para isso, chegariam os três anos de contrato que assinou com a ideia de os cumprir. É um treinador de convicções anti-sísmicas, que não gosta de laterais baixos, não quer centrais grandes e lentos e vê pouca utilidade nos jogadores de contra-ataque. Também não lhe agrada responder aos desejos de boa sorte dos treinadores adversários, antes dos jogos - aliás, a outra equipa é sempre "inimiga". E reconhece com frontalidade que pediu a Deco a expulsão de Éder, durante o primeiro jogo com o Benfica, como assume que, nas devidas circunstâncias, colocaria a hipótese de jogar tão fechado como o Boavista nas Antas. Em definitivo, a opinião dos outros não foi um obstáculo a esta entrevista

Esta é uma entrevista específica. Não há nela nada de acessório, nenhum pedido de comentário a assunto algum que não tenha directamente a ver com o homem do momento. É apenas uma tentativa de decifração daquilo que se vai dizendo: que José Mourinho não é apenas o homem do momento. Talvez tenha havido, nesta conversa de duas horas, menos perguntas inéditas do que desejaríamos, mas nas respostas que o treinador do FC Porto deu houve, com certeza, algumas respostas inéditas. José Mourinho afirma, por exemplo, que faria tudo para ganhar, embora defendendo uma espécie de moralidade do bom futebol sempre que possível ou aconselhável. Mas não está preocupado com isso. Diz coisas para chocar, agarrando a questão polémica imediatamente pelo pescoço - "adversário é inimigo"- , e confirma outras sem hesitações. Em Sevilha, antes da final, foi convidado por dois candidatos à presidência do Barcelona. Respondeu "não", entre outros motivos, porque não quer direcções fracas.

JOGO| É treinador para dizer ao Deco 'expulsa o Éder, arranca-lhe um vermelho"?
JOSÉ MOURINHO| Então não sou?

P| Foi isso que fez?
R| Claro. Mas expulsar é ir à procura da situação. É dizer-lhe 'ao invés de jogares pelo lado direito, onde vais encontrar - já não sei quem era -, o Ricardo Rocha sem cartão nenhum, começa a cair para a esquerda e vai à procura do cartão'. Isto digo eu e dizem todos. Só não dizem aqueles que, durante o jogo, estão todos borradinhos no banco e não têm tempo para ver sequer quem é que, do adversário, apanhou cartão amarelo.

P| Sabe que isso contraria uma certa moralidade do discurso instituído no futebol português...
R| Não sei porquê. Eu assumo que, quando fui expulso no jogo contra a Lázio, não tomei aquele atitude por me ter passado da cabeça: vi foi que a Lázio estava numa situação de contra-ataque. Isto não é fair-play. E por isso é que fui castigado e tive de ficar na bancada, em Roma.

P| Se não tivesse outros meios de ganhar ou de garantir um resultado positivo, colocaria alguma vez a hipótese de jogar como o Boavista fez nas Antas esta época?
R| Depende do jogo e da situação. Como treinador do Leiria, quando não jogava para ganhar títulos e com o único objectivo de vencer o maior número de jogos possível, nunca faria uma coisa dessas. A partir do momento em que senti, no Leiria, à sexta ou sétima jornada, que estávamos a caminhar no sentido de uma estabilidade total, nunca o faria. Agora, se estivesse numa equipa de menor expressão e precisasse de um ponto ou de uma vitória para não descer de divisão, aí, meu amigo, vale tudo. Seria o mesmo se jogasse para o título e faltasse um ponto ou uma vitória. Vale tudo. Para ganhar, vale tudo. Mas naquela situação, quando o Boavista não jogava para a permanência nem para o título e nem sequer para a Taça UEFA, porque ficou longe logo desde o início, acho que não havia motivo nenhum para que o jogo tivesse sido o que foi. Mas cada um sabe de si.

P| É ou não contraproducente ter uma imagem simpática do adversário?
R| Uma imagem simpática?

P| Agrada-lhe que haja uma empatia, uma relação amistosa entre a sua equipa e o adversário?
R| A mim não. O adversário é inimigo. Nem gosto muito de os cumprimentar antes dos jogos. E quando os colegas treinadores me desejam boa sorte não respondo.

P| Entra nos jogos de semblante carregado, sai dos jogos sem ter dado um sorriso. Está a cultivar uma imagem de marca?
R| Sou eu mesmo. Um jogo é, inegavelmente, um momento de prazer. Adoro os jogos e, quando me dirijo para o relvado, vou contente. Quanto maior, maior a satisfação. Mas vou altamente concentrado. Estou à vontade, converso, rio, até um quarto-de-hora, vinte minutos antes de começar. Quando saio do balneário, vou completamente absorvido pelo que tenho de fazer. Vou tentar ler o jogo, absorvê-lo o mais possível. Sou assim.

P| O ano que completou fez de si, provavelmente, a figura mais adorada do universo FC Porto. Isso não mexe consigo? E se não mexe é porque acha que, daqui por uns anos, as pessoas já esqueceram?
R| Não estou à espera de que, um dia, se as coisas me correrem mal as pessoas abdiquem de me criticarem ou de alguma manifestação pública contra mim - os assobios tradicionais ou coisa do género -, até porque aquilo que conseguimos é passado. Agora, acho que continuará inquestionável o respeito eterno. Já passaram muitos anos, mas quando o Artur Jorge vier jogar às Antas terá uma recepção fantástica, porque é um treinador marcante. E, quer queiram quer não, eu passei a ser um treinador marcante na história do FC Porto. Quando regressar, daqui a dez anos, vou ser aplaudido, vou ser bem recebido e vou ser querido. Acho que o reconhecimento ficará para sempre. Agora, a pressão que sobre mim existirá para que os resultados sejam bons vai existir - e se não existir, serei eu a pedi-la, porque não quero perder a sair a rir, ou perder e sair tranquilo por saber que tenho uma grande margem de erro. Não quero isso. Quero continuar a viver com a mesma pressão a que me habituei depois de cá ter chegado sem nada ganho. A ideia que transmitirei aos jogadores na próxima época é essa. Não podemos viver à sombra do que conseguimos este ano.

Jornal o Publico (s/d)

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